O veterano de guerra que recua ao ouvir o som de um escapamento de carro, e o viciado em recuperação que sente uma súbita necessidade de se drogar têm uma coisa em comum: ambos são vítimas das próprias lembranças. Uma nova pesquisa indica que essas memórias podem ser eliminadas.

Segundo um novo estudo do MIT, um gene chamado Tet1 pode facilitar o processo de extinção da memória. No experimento, ratos foram colocados em uma gaiola que aplicava choques elétricos. Depois de aprender a temer a gaiola, eles foram colocados no mesmo recinto, mas sem levar choques. Os ratos com níveis normais de Tet1 deixaram de temer a gaiola quando novas lembranças foram formadas sem o estímulo elétrico. Já os ratos sem o gene Tet1 continuaram a ter medo da gaiola, mesmo sem levar choques.

“Descobrimos que os animais com o gene Tet1 defeituoso não conseguiam enfraquecer a lembrança assustadora”, explica Le-Huei Tsai , diretor do Instituto Picower para Aprendizado e Memória do MIT, ao Discovery Notícias. “Há mais de meio século, sabemos que a expressão genética e a síntese de proteínas são essenciais para a aprendizagem e a formação de novas lembranças. Nesse estudo, especulamos se o gene Tet1 regula as alterações químicas do DNA” .

Os pesquisadores do MIT descobriram que o Tet1 altera os níveis de metilação do DNA, o processo que desencadeia uma reação química. Quando a metilação é intensa, o processo de aprendizagem de novas lembranças é mais eficiente; quando é mais fraca, ocorre o contrário.

“Os resultados reforçam a ideia de que uma nova lembrança precisa se formar para apagar uma recordação ruim”, explica Tsai . “A nova lembrança compete com a antiga e, por fim, a substitui”.

Os especialistas no estudo da memória e da ansiedade concordam. “Esta é uma pesquisa muito importante porque apresenta um mecanismo inteiramente novo de regulação da memória e do comportamento”, afirma Jelena Radulovic, professora especializada em transtorno bipolar da Universidade Northwestern. “O mecanismo de manipulação de DNA pode afetar muitas outras coisas. Agora, a questão é saber se outros padrões vão emergir, se haverá efeitos colaterais sobre o humor, as emoções e outros aspectos. Mas as descobertas têm relevância real”.

Radulovic , que não participou diretamente do estudo, diz que o principal achado se refere à eliminação do medo. ”Os resultados mostram um paradigma muito específico de redução do medo aprendido. Isso pode significar que a interferência do gene Tet1 e a alteração do DNA podem ser soluções possíveis na redução do medo em pessoas com transtornos de ansiedade”.

Já Tsai se mostra animada com uma nova abordagem dos transtornos de ansiedade no nível molecular e celular no interior do cérebro. “Agora podemos visualizar a cadeia de eventos bioquímicos no processo de formação e extinção da memória”, afirma Tsai. “Esperamos que isso possa levar à descoberta de novas drogas”.

Enquanto isso, a pesquisa sobre a extinção da memória está progredindo rapidamente, em grande parte devido a novas descobertas baseadas na experimentação tradicional e no avanço de novas tecnologias, acrescenta Tsai.
As pesquisas paralelas se concentram mais nos processos fisiológicos que formam as lembranças, não na epigenética (que estuda como os genes são ativados e desativados). No Instituto de Pesquisa Scripps, os pesquisadores estão estudando o provoca a recaída de um viciado em metanfetamina diante de situações familiares associadas à droga.

“Quando dependentes em recuperação são expostos ao ambiente em que usavam a droga, têm associações e lembranças tão intensas que provocam o desejo de usá-la”, explica Courtney Miller, professor-assistente do Instituto de Pesquisas Scripps, que chefiou o estudo. “A ideia é tentar interromper seletivamente as memórias perigosas, sem prejuízo das demais”.

“Ensinamos os roedores a apertar uma alavanca para receber uma dose de metanfetamina, de forma que o animal controlasse o acesso à droga”, relatou Miller ao Discovery Notícias. “Eles foram colocados em um recinto específico durante duas semanas, onde podiam pressionar a alavanca e obter a metanfetamina. Eles aprenderam a associar esse recinto com a metanfetamina, e ele passou a ser o lugar onde eles poderiam usar a droga”.
Os animais então receberam uma injeção com uma substância química que inibe a polimerização da actina e foram recolocados no recinto.

“O processo de polimerização da actina acontece quando os neurônios se conectam, é assim que a informação é transmitida”, explica Miller”. “Imagine um objeto de Lego, feito com peças pequenas interconectadas. O ponto de recepção de neurônio, denominado espinha dendrítica, aumenta quando a memória é armazenada. Isso amplia as áreas de superfície e, consequentemente, a neurotransmissão”.
“A actina controla esse processo, aumenta a espinha dendítrica e a mantém ampliada. A droga que fornecemos aos ratos desconecta irreversivelmente as ‘peças’. O ponto de contato se desfaz e a lembrança é apagada”.

O processo, conhecido como despolimerização, impede o armazenamento das lembranças. Pesquisadores que estudam a memória de longo prazo são altamente favoráveis às conclusões de Miller.

“Essas descobertas podem realmente virar o jogo”, afirma Gary S. Lynch, professor de psiquiatria e comportamento humano da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia. “Elas sugerem uma estratégia completamente nova para o tratamento da dependência química. Nos últimos dez anos, a noção de que as memórias são consolidadas tem sido muito questionada. Esse estudo demonstra que a memória é muito dinâmica e maleável, e que há outras formas de lidar com a dependência”.

Lynch ficou particularmente impressionado com conclusões do estudo sobre o papel da actina. ”A actina é a proteína mais predominante no organismo”, disse Lynch, que há mais de 30 anos estuda a memória humana. “Descobrir que ela é tão importante para a dependência tem implicações fantásticas”.

No futuro, é possível que o processo possa ser utilizado para tratar outros vícios, como o da nicotina, disse Miller. Tsai acredita que levará anos até que a pesquisa atual possa ser aplicada a seres humanos com transtornos psiquiátricos. ”Gostaria de acreditar que, através da terapia cognitivo-comportamental ou de algum medicamento novo, com o tempo –  cinco ou 10 anos – uma série de mecanismos será desvendada”, antecipa Tsai. “Sabemos como as lembranças boas e as ruins se formam. Mas o cérebro é um órgão que não é muito suscetível à manipulação, ao contrário da maioria dos outros órgãos. Minha previsão é de que os avanços nas pesquisas sobre a memória, incluindo a extinção de lembranças, aumentarão consideravelmente devido às novas tecnologias”.

Uma delas, segundo Tsai, é um novo equipamento de visualização do cérebro em 3D chamado CLARITY, desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Stanford. Ele permite que os pesquisadores vejam, em detalhes, as complexas interligações e características essenciais do cérebro.





Fonte: Discovery noticias


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