Entre os acontecimentos
mais importantes de toda a evolução humana está a capacidade de digerir o leite
depois da primeira infância. As mutações genéticas que permitiram sua
ingestão evoluíram de forma independente ao longo dos últimos 10 mil anos,
resultado de uma intensa seleção natural, sugerem novas evidências.
Devido à
disseminação rápida desses genes modificados, cerca de um terço dos adultos em
todo o mundo pode beber leite sem problemas digestivos, uma característica
conhecida como persistência de lactase.
Mas por que
o consumo de leite foi tão vantajoso para a humanidade? Um novo estudo
derruba uma das principais teorias: a de que o homem passou a consumir leite
por ser uma valiosa fonte de vitamina D, o que contribui para a absorção do
cálcio.
A análise
de esqueletos humanos de um sítio arqueológico na Espanha revela que o “gene do
leite” se disseminou rapidamente tanto naquela região ensolarada como em outros
lugares, sugerindo que o leite era benéfico por algum outro motivo além da
vitamina D.
“Ao longo
dos anos, ouvi uma série de hipóteses evolutivas sobre a persistência da
lactase. Afinal, é divertido inventá-las”, comenta Oddny Sverrisdóttir, bióloga
evolucionista da Universidade de Uppsala, na Suécia, principal autora do
estudo.
“Durante
décadas, a hipótese reinante dizia que a falta de luz solar no norte da Europa
levou as pessoas a compensar a falta de cálcio e de vitamina D bebendo leite”,
explica. “Mas nos esqueletos da Espanha, ou a absorção de cálcio não afetou a
evolução da persistência de lactase, ou havia outras forças em ação”.
Há muito
tempo, Sverrisdóttir tenta entender como e por que os primeiros fazendeiros da
Europa começaram a beber leite. A pesquisadora ficou empolgada ao analisar os
esqueletos bem-preservados de oito pessoas que viveram no nordeste da Espanha
há 5 mil anos.
Isso
ocorreu bem depois de o “gene do leite” ter surgido no norte da Europa, e a
pesquisadora estava ansiosa para descobrir se os antigos espanhóis também
bebiam leite. Para isso, seu DNA foi analisado para identificar a persistência
da lactase. ”Pensei que pelo menos um deles teria a mutação, já que muitos
adultos espanhóis de hoje podem beber leite sem consequências para a saúde, mas
nenhum deles tinha”, conta Sverrisdóttir.
Para
descobrir se a recente e rápida disseminação da persistência da lactase na
Espanha foi obra do acaso ou da seleção natural, Sverrisdóttir e seus colegas
compararam o DNA mitocondrial dos espanhóis modernos com as amostras antigas.
Como se altera muito lentamente, o DNA mitocondrial é ideal para o estudo de
árvores genealógicas ao longo do tempo.
Segundo
artigo publicado na revista Molecular Biology and Evolution, as análises
revelaram que os homens das cavernas espanhóis são, de fato, ancestrais das
pessoas que hoje bebem leite na Espanha.
Em seguida,
a equipe usou simulações computadorizadas para verificar quais mudanças
genéticas ocorreram entre uma população em que ninguém digeria o leite e outra
em que um terço dos adultos o fazia, ao longo de um período de 5 mil anos.
As
simulações descartaram a possibilidade de a mutação ter chegado ao nível atual
por acaso, indicando que houve um intenso processo de seleção. Em outras
palavras, as pessoas com o “gene do leite” tinham alguma vantagem sobre as que
não apresentavam a mutação genética.
Mas se a
grande vantagem do leite não era a vitamina D, então o que era? As novas
descobertas não podem responder a essa pergunta, mas Sverrisdóttir tem sua
própria teoria. Os primeiros agricultores consumiam queijo e iogurte muito
antes do leite, porque os lácteos fermentados são mais fáceis de digerir. Mas
em épocas de escassez, quando as colheitas não eram fartas e todos os lácteos
processados já tinham sido consumidos, as pessoas recorreriam ao leite para não
morrer de fome.
Os que
tinham a mutação genética sobreviveram, enquanto os intolerantes à lactose
sofreram de diarreia, uma condição que poderia ser fatal na
pré-história. ”Em tempos normais, se estivessem bem alimentados e tivessem
diarreia durante alguns dias, não faria muita diferença”, especula Sverrisdóttir
. “Mas se já estivessem morrendo de fome, poderia significar a diferença entre
a vida e a morte. Essas pessoas não teriam vivido tempo suficiente para
transmitir seus genes para a próxima geração. O leite então se tornou o novo
superalimento para quem conseguia tolerá-lo”.
Ainda é
possível que o leite fosse valorizado pela absorção de cálcio e vitamina D em
alguns lugares, explica Pascale Gerbault, geneticista evolutivo da Universidade
College de Londres. No entanto, o novo estudo sugere que há várias razões para
o leite ter se tornado tão fundamental na mudança de curso da evolução humana.
Fonte:
Discovery noticias
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